Embora
o governo ministre uma ordem, desde 2011, que determina ao servidor público
ocupante de dois cargos públicos de diferentes esferas de poder (federal,
estadual e municipal) que ele opte por um dos seus trabalhos, a proibição não
deve ser seguida como regra geral. O servidor pode, através da justiça e com
base, por exemplo, na Constituição Federal, recorrer dessa notificação
indistinta tomada pelo governo e abarcada pelos dirigentes das instituições
públicas de saúde. O advogado Rogério Fontes de Siqueira elucida que "pela
regra geral, quem tem um cargo público estadual, num Corpo de Bombeiros, por
exemplo, não pode ter outro cargo na esfera federal ou municipal. O acúmulo de
cargos é proibido pela Constituição Federal, Art. 37". No entanto, dentro
desse mesmo artigo, existe uma alínea (a alínea c) que permite o acúmulo de
cargos, na área da saúde, explica o advogado.
O artigo que demonstra a vedação do
acúmulo de cargos, mas também as exceções possíveis, não pertencentes apenas à
área da saúde, diz: "Art. 37 - XVI - é vedada a acumulação remunerada de
cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado
em qualquer caso o disposto no inciso XI: a) a de dois cargos de professor; b)
a de um cargo de professor com outro, técnico ou científico; c) a de dois
cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões
regulamentadas". Assim, profissionais da saúde, ao defenderem seus
direitos na justiça, podem se valer dessa última alínea para manter os
trabalhos nos dois cargos. Então, "na medida em que eu seja bombeiro, mas
também enfermeiro, técnico de enfermagem ou médico e caso eu exerça uma dessas
funções da saúde, no cargo público anterior, eu posso acumular", completa
o advogado Rogério Fontes.
Essa ordem ministrada pelo governo,
muitas vezes, não faz distinção de casos, é uma notificação que vem de cima
para baixo e é pra todos os servidores que acumulam cargos. "Tem que optar
e eles não dão grandes explicações. Alegam basicamente que o servidor tira o
espaço de outras pessoas - mesmo que seja na área da saúde, onde se costuma
faltar profissional, diante da grande demanda de pacientes, e não sobrar - ou
dizem que o servidor pode prejudicar o funcionamento da instituição, quando os
horários e as escalas de serviços não se adequam. São alegações subjetivas.
Assim, quem consegue suprimir a ordem na justiça, fica nos dois cargos, já
aquele quem nem entra na justiça ou não consegue suplantar a notificação, sai
de um dos trabalhos", complementa Rogério Fontes. Por falta de informação,
por achar que não podem vencer essa ordem do governo ou por acreditarem na
lentidão da justiça para dar uma decisão, alguns servidores acatam a
solicitação que recebem dos dirigentes dos órgãos públicos. Uma das
consequências do servidor público obedecer a esse comunicado governamental é
ter que adequar toda a sua estrutura e organização familiar a uma base salarial
menor. "Quem tem, por exemplo, um padrão de quatro mil reais nos bombeiros
e três mil reais no hospital dos servidores (remuneração global de sete mil
reais) focou toda a sua vida com base nisso. Daí, ao ter que optar por um cargo
ou outro, o padrão dele vai cair para três mil ou quatro mil, assim, cai toda
aquela organização familiar feita antes", enfatiza o advogado Rogério
Fontes.
Um dos que optaram por defender seus
direitos, na justiça, foi Leandro Lessa, cliente do advogado Rogério Fontes. O
primeiro, de acordo, com os atos relatados em processo, objetivou a anulação do
ato administrativo que indeferiu seu requerimento de permanência nos cargos
públicos que ocupa. Para conseguir a anulação, alegou que exerce as funções de
segundo-sargento do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro,
integrando o corpo médico, e de auxiliar de enfermagem do Ministério da Saúde.
A decisão de juiz da 28ª Vara Federal do Rio de Janeiro abarcou o seguinte: "Embora
o art. 142, § 3º, II da Constituição determine que o militar que assuma cargo
ou emprego público civil seja transferido para a reserva, o art. 37, XVI, c,
permite a acumulação remunerada de dois cargos ou empregos públicos aos
profissionais de saúde. Sendo assim, a regra do art. 142, § 3º, II da
Constituição não se aplica aos militares que integram os corpos médico e de
enfermagem das forças armadas e exercem apenas funções de saúde. Na condição de
profissionais de saúde, esses militares podem acumular o cargo nas forças
armadas e outro cargo ou emprego nos serviços de saúde civis". Portanto,
diante da interpretação sistemática desses dois artigos, compreendeu-se, nesse
caso, como possível e lícito a acumulação de cargos. Sublinhe-se que, dentro do
corpo de bombeiros, Leandro Lessa não exercia função tipicamente militar e sim
trabalho dentro da área da saúde.
Cabe acrescentar que o juiz observou
ainda a questão de compatibilidade de horários. Não existindo esta, não haveria
conclusão do processo a favor do servidor, mesmo que este exercesse duas
funções de saúde. Pois, como é relatado na decisão do processo: "a
acumulação é lícita apenas se houver compatibilidade de horários". O
advogado Rogério Fontes diz que Leandro Lessa conseguiu manter, assim, os seus
dois empregos e o seu padrão de remuneração. O advogado comenta que o caso
representa apenas um dentre os vários que ocorrem no Brasil. Em resumo, a
partir do momento que existe base (constitucional, por exemplo) para um
servidor permanecer em dois cargos públicos, vale a pena ele lutar por esse
direito previsto nas leis.
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