O Viajante do tempo
A primeira vez que ouvi falar de Darshan Yantra foi nos anos sessenta, através de meu irmão mais velho, um estudioso da filosofia oriental e que, de vez em quando, me emprestava um dos seus livros.
No início resistia aos ensinamentos, achava tudo fantasioso. Aliás, a mente restrita sabe tudo e assim era eu, aos vinte anos era dono da verdade e o que não conhecia, simplesmente não existia.
Mas foi através dele que conheci o caminho da “senda”, ampliou meus horizontes e coloquei em prática o que aprendia.
Quando soube que Darshan Yantra viria ao Brasil prometi a mim mesmo assistir sua palestra. Isso nos idos de 1961, logo depois da renúncia do Janio Quadros, em plena reação militar na posse do Jango, Vice Presidente da República.
Ele falaria somente a alguns escolhidos e consegui ingresso por intermédio de um amigo publicitário, bem relacionado com o grupo organizador.
Todo alegrinho, procurei meu irmão e o convidei, mas ele já estava em outra, se convertera ao judaísmo e vivia rodeado de amigos judeus, com cachos pendurados pelas orelhas e avarento. Tanto que certo dia, ao pedir novamente livro emprestado, ele retrucou:
- Como emprestado!!! Agora só aluguel, dinheiro antecipado e no máximo três vezes sem juros!
Frustrado, deixei meu irmão de kipar na cabeça, contando dinheiro e viajei dois dias de carona de caminhão, até chegar ao local selecionado, entre floresta e mar. Realmente era um lugar lindo, clima fresco e energético, mas não havia tempo para apreciá-lo.
Quando entrei no anfiteatro à palestra já iria começar. O auditório estava cheio e meu assento reservado na lateral esquerda, perto de enorme janela, com vista para o mar.
Sentei, retirei o bloco de notas e coloquei o fone de ouvido, aguardando o palestrante.
Tinha feito uma longa viagem só para ouvir aquele homem, considerado um dos maiores sábios da minha geração.
Estava ansioso, esperando um senhor austero, tipo santo católico, barbudo e sério. Mas fiquei surpreso quando entrou um jovem simples, sorridente, aparência de adolescente e brilho nos olhos.
Ele sentou-se ao chão sobre almofadas, entrelaçou as pernas na posição yoga e iniciou com as seguintes palavras:
- Tenha sempre pensamentos bons... Toda vez que algo negativo vier a sua cabeça, troque-o por outro. Para isso, precisa de treinamento mental!
Enquanto falava, uma atendente entrou, colocou uma xícara de chá ao seu lado e se retirou.
- Não tenha medo da vida e de ninguém! - Continuou – O “medo” é uma das maiores causas das perturbações interiores. Tenha fé em você mesmo. Sentir “medo” é acreditar que os outros são poderosos e, por favor, não dê esse poder ao próximo.
Procure não reclamar, por mais que a vida lhe traga infortúnios... Quando você murmura atrai sobre si toda carga negativa das suas palavras. A maioria das coisas erradas começa quando lamentamos.
Ele se levantou, desceu o tablado e caminhou até o público. Olhou ao redor como procurasse alguém e diante de uma senhora na terceira fila, lhe disse:
- Risque a palavra “culpa” do seu dicionário. Não se permita a esse sentimento, pois quando nos punimos, abrimos nossas defesas para espíritos opressores e agressores, que vibram nessa faixa mental... Ignore-os!
Ela retirou o lenço da bolsa e enxugou os olhos, enquanto ele caminhou até o final do auditório. Comecei entender seu sexto sentido e o efeito sobre a pessoa escolhida.
Depois entrou pelo corredor lateral à esquerda e parou diante de mim.
- Não deixe que interferências externas tumultuem o seu cotidiano. Livre-se das fofocas, comentários maldosos e pessoas deprimidas. Isso é contagioso... Seja prestativo com quem presta!
Lembrei do grupo de amigos da rua e os comentários pejorativos sobre os outros e me envergonhei.
Ele passeava com leveza e espargia um perfume agradável. Retornou a frente do auditório e prosseguiu:
- Sintonize com gente positiva e mente elevada. Não se aborreça com facilidade e nem dê importância as coisas pequenas. Quando nos irritamos, envenenamos nosso corpo e nossa mente. Procure viver com seriedade e quando for explodir, conte até dez.
Sentia um calor, tipo holofote aceso, em torno de minha cabeça e o perfume no ambiente era cada vez mais forte, deixando-me leve e em paz.
Ele foi para o lado oposto do auditório e parou diante de um dos organizadores do evento. Era um rico empresário do ramo de massas e lhe disse:
- Viva o presente! O ansioso vive o futuro e o rancoroso o passado. Aproveite o aqui e agora. Nada se repete, tudo perece, faça seu dia valer à pena e não perca tempo com melindres e preocupações, que só trazem doenças!
O tempo passava e eu não sentia cansaço, estava absorto em suas palavras e sentia minha mente espargir.
Finalmente ele terminou com oração, agradeceu a Deus pela oportunidade de falar das coisas invisíveis, se despediu muito aplaudido.
A palestra levou mais de três horas, abordou vários temas, mas esses ficaram em minha memória. Nunca os esqueci, sempre os coloquei em prática, passando a ver o mundo e as pessoas de forma diferente.
Nunca mais ouvi falar em Darshan Yantra e acredito que ainda esteja vivo, em algum lugar no oriente, como também acredito que não tenha envelhecido, já que uma mente sadia conserva o corpo são.
Nos anos sessenta ele deveria ter uns oitenta anos, com aparência de dezesseis e hoje, após quarenta e nove anos, gostaria de saber como ele está.
teiromon@bol.com.br
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