A chegada do verão na China reacendeu a
polêmica sobre o consumo de carne de cachorro, que continua legal no país. Todos os anos, o
começo da estação é celebrado com um festival gastronômico na cidade de Yulin,
no norte do país, dedicado ao consumo de carne canina.
A pressão feita por ativistas no local não impediu que cerca de 10 mil
cães fossem sacrificados para o evento. Grupos em defesa dos animais buscam o
apoio de celebridades e especialistas para pressionar o governo a tomar medidas
que restrinjam a prática. Manifestações foram organizadas em frente à
prefeitura de Yulin e na capital Pequim.
Pressão
Ativistas acreditam que a pressão das ONGs sobre o governo e campanhas
de conscientização da população vêm surtindo efeito ao longo do tempo. Para
Peter Li, representante na China da Humane Society International (HSI), ONG que
luta pela proteção dos animais, o festival vem perdendo força "pela
pressão vinda de vários pontos do país e do mundo".
Segundo a HSI, o governo sugeriu que a palavra "cachorro" não
fosse usada nos letreiros e cardápios de restaurantes. Peter Li acredita que
este seja o primeiro passo para tirar a legitimidade da prática. "Pelo
menos dois matadouros não estavam operando. Eu visitei um duas vezes e não vi
abate", garante o ativista e professor da University of Houston-Downtown,
nos Estados Unidos, que esteve no local uma semana antes do festival.
Peter também foi até a cidade de Guangdong, sul do país, onde este tipo
de carne também é bastante popular. "Os restaurantes de carne de cachorro
que visitamos estavam em estado precário e eram frequentados por pessoas vindas
de camadas socioeconômicas desfavorecidas", descreve.
Carne apreciada
Os que defendem a prática alegam que pratos a base de cachorro são uma
tradição de mais de 2 mil anos em certas partes da China. Na região de Yulin,
comer cães, lichia e beber álcool na chegada do verão garante saúde durante
todo o inverno.
Peter contesta: "o festival do Yulin não era nada além de um jantar
festivo na noite do solstício. Não é uma tradição local como vendedores de
carne de cachorro afirmam. O evento foi criado como uma maneira de atrair
turistas e investimentos. A carne de cachorro não é um alimento regular para os
chineses e nem para os habitantes dessa cidade".
Andrew, um corretor imobiliário, de 40 anos, natural de Hong Kong, que
preferiu não revelar seu sobrenome, garante que não é raro encontrar
apreciadores da iguaria. "Eu experimentei faz muito tempo. Minha família é
muito tradicional e veio da China. A carne de cachorro é um prato social,
popular no inverno com os hot pots, recipiente de água fervendo em que se
coloca a carne e outros ingredientes. O prato fica no centro e as pessoas
sentam-se em volta, em um ambiente caloroso", descreve.
Na China, além de restaurantes especializados nesta carne aparecerem nos
guias das principais cidades, não é difícil comprar o produto nas feiras
locais. "O gosto da carne de cachorro é similar ao da de carneiro, é muito
suculenta e, se preparada corretamente, é muito gostosa, acrescenta ele.
Fome
Em Hong Kong - ex-colônia britânica que possui um sistema jurídico
diferente do da China - a carne de cachorro foi banida em 1953. Quem for pego
vendendo ou consumindo a carne, além de processado, pode ir para a prisão.
Para Andrew, se o cachorro faz parte da dieta na China é também pelo
histórico de fome e pela dificuldade em alimentar uma população de mais de 1,3
bilhões de pessoas.
"As pessoas são muito pobres e comem qualquer coisa viva. Um ditado
chinês diz: um animal que tem o estômago voltado para o chão e a traseira
voltada para o céu é comestível. Basicamente, o único animal que eu consigo
pensar que não se come é o bicho-preguiça", diz ele.
Não se sabe ao certo quantos cães são sacrificados a cada ano na China.
As estimativas variam entre 10 milhões a 43 milhões (HSI) de animais abatidos
anualmente no país. Estima-se que sejam abatidos e consumidos a cada dia na
China 1,7 milhão de porcos.
Segundo Fiona Woodhouse, diretora da Sociedade para a Prevenção da
Crueldade contra os Animais (SPCA) em Hong Kong, a popularização do cachorro
como animal de estimação na classe média chinesa tem colaborado para o aumento
do número de pessoas contrárias à tradição. "Os mais jovens começam a
mudar o comportamento em relação a carne de cachorro", diz ela.
Mas mesmo com a causa ganhando mais visibilidade, é difícil dizer se o
consumo está reduzindo. Fiona Woodhouse acrescenta que como a carne não vem de
uma fonte regulamentada e é comercializada em mercados e restaurantes de rua,
não há estatísticas precisas.
Ela acrescenta que "muitos cachorros são roubados e a cadeia de
fornecimento inteira é questionável".
Fonte: BBC
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