Rafael Braga
Vieira, de 25 anos, completou na última sexta-feira um ano de prisão. Até hoje,
ele é a única pessoa julgada e condenada por crime relacionado a protestos no
Brasil. Vieira é negro, morava na rua e usava crack.
Sua detenção ocorreu após a manifestação do dia 20 de junho de
2013, quando milhares de pessoas tomaram o centro do Rio de Janeiro no embalo
dos protestos contra o aumento das passagens de ônibus.
Ele levava consigo duas garrafas de produtos de limpeza - água
sanitária e desinfetante Pinho Sol - consideradas "artefato explosivo ou
incendiário" pela polícia e pelo juiz responsável pelo caso. Vieira afirma
que não participava do protesto e não tinha relação com os manifestantes.
De acordo com a sentença, ele deve cumprir ainda mais quatro
anos no presídio de Bangu 5, no Rio de Janeiro, onde divide cela com outros 70
detentos. Por dia, tem direito a duas horas de sol no pátio da prisão.
Procurado, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, responsável
pelo caso, não respondeu aos chamados da BBC Brasil por telefone e e-mail.
A Polícia Militar do Estado, em nota, informou que "está
presente em toda e qualquer manifestação garantindo o direito constitucional.
Se houver atos de vandalismo, dano ao patrimônio público ou qualquer ação
criminosa, as pessoas serão detidas e conduzidas para as delegacias".
'Moleque'
Em seu depoimento, Vieira disse que estava a caminho de
encontrar uma tia quando teria sido abordado por dez policiais. A abordagem,
segundo ele, teria ocorrido assim:
"Vêm cá, ô moleque"
"Aí neguinho... ô moleque. O que você tem aí?"
"Ah, cara, você tá com coquetel molotov?"
"Você tá ferrado, neguinho".
Vieira diz ter respondido que não sabia o que era coquetel
molotov. Na sequência, afirma ter sido agredido no estacionamento da delegacia.
A história é narrada no relatório da Anistia Internacional.
A ONG decidiu usar o caso do jovem como símbolo para uma
campanha, compartilhando nas redes sociais sua foto, junto à hashtag #CliqueProtestoNãoÉCrime!. Junto a elas, são divulgadas
imagens de outros possíveis abusos policiais.
'Semi-aberto'
Renata Nader, assessora de direitos humanos da Anistia Internacional
e uma das criadoras da campanha, esteve com Vieira em abril deste ano.
"Ele passa 22 horas por dia dentro de uma cela com outras
70 pessoas. Como ele foi atendido inicialmente pela Defensoria Pública, que tem
muitas demandas, não conseguiram provar sua inocência. Agora, nosso trabalho é
reverter essa condenação e mostrar a injustiça cometida contra esse
rapaz", afirma.
O advogado Carlos Eduardo Martins, do Instituto de Defensores de
Direitos Humanos, acompanha o caso de perto.
"A decisão de transferir o Rafael para o regime semi-aberto
acaba de ser proferida", afirma.
"Mas ainda há percalços burocráticos. É importante deixar
claro que conseguir o regime semi-aberto não significa que ele irá para a
rua."
Trabalho
ou estudo
Para passar o dia fora de Bangu 5, Vieira precisa conseguir uma
bolsa de estudos ou um emprego.
"Queremos viabilizar um curso técnico ou um trabalho para
que ele consiga o beneficio do regime semi-aberto. Paralelamente, temos que
apressar o julgamento da apelação", diz Martins.
Os advogados querem reverter a decisão por meio de novo
julgamento.
"A perícia foi inconclusiva. Precisamos que ela seja
refeita. O laudo fala em ínfima possibilidade do material apreendido funcionar
como coquetel molotov."
Segundo Martins, o judiciário interpretou o termo
"ínfima" como "sim, o material serve como explosivo".
"O resultado não foi claro e criou-se uma brecha para
considerá-lo culpado. O caso é de uma tremenda injustiça e uma ilegalidade sob
todos os aspectos", diz o advogado.
Reicindência
Martins afirma que o fato de Vieira ser considerado reincidente
foi um catalizador para a prisão de "um homem pobre, morador de rua, como
bode expiatório".
"Ele havia cometido dois roubos sem arma de fogo. Foram
praticamente furtos. Ele tem problemas com drogas, tem uma vida extremamente
precária e não pode ser penalizado por isso."
Segundo o advogado, Vieira "não tinha nenhuma relação com
qualquer manifestação", havia cumprido as penas anteriores e estava solto
em liberdade condicional, faltando "pouquíssimo tempo para a
prescrição".
Para Martins, por não haver se passado cinco anos desde sua
liberdade, ele foi considerado reincidente e preso novamente.
Fonte: BBC
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